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domingo, 5 de maio de 2013

Flerte Presidente?!


Houve uma época no Brasil – os adolescentes de hoje não viveram esse momento – em que, indo-se ao mercado pela manhã em busca de pães, leite, manteiga e queijo, o distinto comprador pagaria um determinado valor por tais produtos e, ao voltar a este mesmo mercado duas horas depois, pagaria um valor aumentado em 20, 30 ou 40 por cento. Não raro, ao retornar à tarde, os valores estariam sobrevalorizados nos mesmos percentuais. A esse fenômeno dava-se o nome de “inflação galopante”.

Entretanto, desde então, aprendemos a conter os arroubos de avareza dos nossos produtores de bens e serviços e conseguimos conter a fúria avassaladora do “Grande Devorador”.  Todavia, esses não foram caminhos largos e de paisagens pitorescas. Extraordinárias dificuldades foram vivenciadas para que chegássemos a um momento de equilíbrio nas contas domésticas e à certeza de que nossos salários, usados de forma coerente, seriam suficientes até o fim do mês. Planos econômicos foram experimentados, como o Plano Nacional de Desenvolvimento (repetido por duas vezes), o Plano Bresser, o Plano de Controle Macroeconômico, o Plano Cruzado, o Plano Cruzeiro e, por fim, o Plano Real. Moedas diferentes foram usadas, tais como o Cruzeiro, o Cruzeiro Novo, o Cruzeiro (novamente), o Cruzado, o Cruzado Novo, o Cruzeiro (mais uma vez), o Cruzeiro Real e o Real.

Tão crítica era a situação que, em 1986, movidas por um afã desmedido de ver o terrível monstro dominado, e empolgadas com o congelamento dos preços, algumas pessoas assumiram para si o título de “Fiscais do Sarney” e, ao observarem o descumprimento do decreto-lei nº 2.283, de 27 de fevereiro, por parte de algum mercado, imbuíam-se de autoridade e fechavam-lhe as portas, em nome do combate à inflação e do próprio Presidente da República.

Mas esses são tempos idos, longínquos. Tempos em que governo e inflação assumiam um relacionamento ambíguo e passional, onde, em dado momento, movidos pela força do lucro, os dois andavam de braços dados e a trocar carícias apaixonadas. Já em outras ocasiões, impulsionados pelo desgaste causado pela insatisfação popular, trocavam tapas e injúrias.

Hoje os tempos são outros: o caráter do governo mudou e a inflação foi abandonada à beira da estrada, como uma meretriz de pouca valia. Sim, meretriz: xingada, ofendida, cuspida e apedrejada por todos, desde então. Por isso, ao ouvir no último dia 23, a Presidente Dilma Rousseff afirmar que o governo não flerta com a inflação, minha alma gelou. “Será que há qualquer possibilidade de os dois terem voltado a se encontrar?”, piscou em alerta meu coração.

Mas, refletindo melhor, apaziguei o meu espírito com a certeza de que o caráter do governo atual é outro. O de hoje não se mistura com meretrizes, não se deita com periguetes, não se suja em más companhias. Não que seja santo ou perfeito ou que lhe faltem apetites carnais. Não. Como todos os seus antecessores, comete falhas e deslizes e, às vezes, tropeça nos tapetes lançados por seus próprios vassalos. Mas ele, o governo, sabe que sua população, a verdadeira mulher de sua vida, não merece voltar a sofrer tamanho desatino.