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quinta-feira, 18 de outubro de 2012

O fim do mundo em teus olhos


Outro dia, num brevíssimo relance furtivo, vi um imenso desprezo em teu olhar. Mas, cansado da solidão, não dei importância. Tomei um banho, vesti uma roupa, joguei a tiracolo no ombro e saí pra rua, pra vida!
Lá fora, o sol era o mesmo de sempre, o trânsito o mesmo caos, as pessoas as mesmas de... Não. As pessoas estavam mudadas. Pareciam mais modernas, mais antenadas, mais manipuladas. Gente!, até os bem velhos pareciam mais novos. As pessoas pareciam tecnológicas, digitais, full HD!
Olhei em volta com mais atenção e percebi que o mundo já não era o mesmo de ontem. O mundo de hoje me parecia o idealizado por alguém: uma espécie bizarra de marxismo capitalista. Meninos e meninas comprando homossexualismo em loja de conveniência – conveniente a quem? – como se comprassem roupa de marca. A quarentona obstinada se esforçando numa esteira mecânica, como quem mergulha na fonte da juventude. Enquanto isso, sentados no sofá, os tiozinhos assistem inocentes ao futebol descaradamente manipulado.
Nossa! Quanto desprezo havia em teu olhar! Enquanto voltava apavorado para casa, vi o teu rosto em outro rosto que passou por mim. Linda! Tão Linda! Parei e observei teu rosto sumindo dentro de carros (medalhas expostas) a se espremerem por artérias venenosas que levam a lugar nenhum.
Mais tarde, já em casa, com todo cansaço do mundo, largado no sofá ainda com as roupas do dia, adormeci e sonhei que tudo havia sido um sonho, que no teu olhar ainda havia estrelas e montanhas verdejantes. Que todos ainda podiam pensar por si mesmos. Mas, ao despertar na madrugada, percebi que apesar dos bilhões de humanos a andar por aqui, eu estava só. Ah! Quão grande era a minha solidão!
Angustiado, gritei com minha caneta sobre um papel, mas não havia quem quisesse escutar o meu grito. Estavam todos com as mentes voltadas para a novela das nove. Todos, todos mesmos, vivendo o narcotizante “espetáculo da vida”. Desesperançado, me calei. Mas, “enquanto me calei, envelheceram meus ossos”.
E foi assim que, por medo de morrer, te enviei este e-mail.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Antonio Pastori, um homem que não cabe em seu corpo


Existem pessoas para quem a alma não cabe no corpo. Estes, os chamados artistas, não conseguem encontrar-se aprisionados por padrões cognitivos ou intelectuais tão comuns à maioria da população. Para eles, os conceitos massificados se perdem em meio a surtos criativos e as práticas comportamentais ganham novas nuances e performances. Por isso existem tantos excêntricos no meio artístico.
Antonio Pastori é assim, um artista que escapa à própria capacidade corporal e transborda em poemas imagéticos – ou em imagens poéticas, como queiram – dando vida às suas ideias e delas produzindo Arte. E esta característica sua – misturar poesia com audiovisual, teimando em mostrar que a poesia é imagem e a imagem é poesia – não se revela ao acaso. É um processo planejado e executado custosamente, ao qual ele se dedica em profusão, desligando-se rotineiramente das demais atividades que o absorvem para mergulhar “no mundo das ideias”, como afirma Ednilson Motta Pará, Diretor de Programas Especiais da TVE, seu grande amigo e colega de profissão. Aliás, Pará não se esquiva em afirmar: “Pastori é um morador do platônico mundo das ideias. Em sua obra, as certezas não existem, pois, segundo ele, toda moeda tem duas faces.”
Mas, como Pastori não cabe em si mesmo, não poderia ser unicamente artista. Há um jornalista brigando por espaço dentro desse corpo já abarrotado de imaginações. Tendo sido apresentador de programas esportivos na TV Itapuã, na TVE e na Band, foi coordenador e apresentador da revista eletrônica TVE Revista, na TVE, e hoje se dedica a fazer um mapeamento cultural das cidades históricas da Bahia.
Este, porém, o comunicador, confessa-se cativo de uma paixão: o recôncavo baiano. Os que o conhecem de perto afirmam, sem medo de errar, haver uma profunda miscigenação entre a sua alma e a alma do recôncavo. Não é à toa que, ao ser questionado sobre este tema, responda apressadamente: “Costumo dizer e sentir que moro no recôncavo da alma.” A quantidade de documentários produzidos – Recôncavo na Palma da Mão, Casa de Santo, Tesão e Fé, Maragós, No Ilê das Máscaras, e, o ainda em processo de finalização, Aldeia – sobre este tema mostra haver realmente essa simpatia mútua, como se uma troca alimentícia houvesse entre os dois. Observando-se mais amiúde, percebe-se mesmo haver nele uma grande necessidade de retribuir, com o seu trabalho, o alimento espiritual que recebe da região. “Lá, o vento faz a curva mesmo e pássaros são os donos das trilhas. O povo do lugar tem responsabilidade na preservação desse espírito”, afirma, repetindo o gesto costumeiro de cofiar o cavanhaque enquanto reflete.
Mas há ainda o Pastori indivíduo, cidadão com RG, residente de megalópole pelos 45 anos de sua existência. Esse, diferentemente dos demais, consegue ser amado e odiado concomitantemente pelos que o cercam. Apreciador de bons vinhos, sendo o chileno Concha y Toro o preferido, aproveita os momentos de degustação para produzir seus poemas, escrevendo-os em guardanapos de papel nos bares por onde se inspira. Sobre esse prazer, ele diz: “Manchados com vinho chileno, nas varandas do Rio Vermelho em suspensão. Muitas ideias, poemas, cenas. Além das cartas de amor, o que seria do mundo sem os guardanapos de papel nas madrugadas? O que seria da boa música popular sem os guardanapos ao lado dos violões em bares à meia luz?”
Certa feita, numa gravação do Terno de Reis para a TVE, na cidade de Senhor do Bonfim, os dançarinos aguardavam já paramentados com as indumentárias representativas de cada personagem, quando uma forte chuva começou a cair, impedindo a realização do trabalho. Pastori não se abalou. Pegou uma garrafa de Macieira, um pacote de Malboro, caminhou com seu gingado malemolente para a rua e, juntamente com Ednilson Mota, bebeu e dançou a Dança da Chuva. Em poucos minutos o céu estava limpo e as gravações foram feitas. Recolhidos os equipamentos, a chuva voltou a cair e ele festejou achando-se o responsável pela estiagem temporária.
Outra coisa que não cabe no corpo de Pastori é o ego. Como todo artista, ele se entende superior a todas as mesmices. Até o tempo tem que se dobrar a suas vontades, deixando de ser controlado pelo relógio ou sequer tendo a ver com a rotação e translação da terra. Nele, o tempo limita-se exclusivamente à sua capacidade de produzir. “Não consigo entender como alguém pode abrir tantas frentes de trabalho ao mesmo tempo”, diz o gerente de operações da TVE, José Carlos Oliveira. “Mas ele tem um poder de cativar através da oratória que é inigualável. Graças a esse dom, ele conquista as pessoas em um simples bate-papo. Por causa do trabalho, nós tivemos muitas brigas. Brigas sérias”, continua Oliveira. “Certa vez, ele chegou ao estúdio com o programa já indo ao ar e trazendo o material gravado em mídia inadequada. Foi um corre-corre terrível. Tivemos de fazer a edição por blocos, enquanto um ia ao ar, nós aprontávamos o seguinte”, um breve sorriso interrompe o discurso. Depois de um leve balançar a cabeça de lado, Oliveira conclui: “no final do programa, tudo havia acabado bem, mas eu estava muito aborrecido. Ele simplesmente veio em minha direção, deu-me um forte abraço e comemorou o resultado do trabalho apresentado. Eu relaxei e retribui o abraço... Até hoje me pergunto: como alguém pode ficar irritado com um cara desses?”

Trovas de Olívio Dias


Invejo, até roubaria,
Do douto, todo saber.
Eu bem rico ficaria,
Sem nada o douto perder.
                       Olívio Dias



Pensamento é liberdade
Tem asas como condor
Vai a Deus na Eternidade
Sem sair do trovador!
                       Olívio Dias


Minha linda Salvador


A foto do plano de fundo deste blog é de autoria de Joaquim Almeida, grande amigo e colega do curso de jornalismo. Antenado, ele atua nas redes sociais, postando fotos e notícias relevantes para os moradores de Salvador e Mar Grande.

A belíssima Salvador vista por quem chega da Ilha de Itaparica.

Carlos Ruiz Zafón

Tenho gostado de ler os livros do espanhol Carlos Ruiz Zafón. A simplicidade elegante de seu estilo, o lirismo disfarçado de sua narrativa e a ausência de enredos mirabolantes e carregados de tramas ardilosas me agradam bastante.


Até mesmo quando obrigado - pela terrível praga editorial, resultante da massificação da cultura - a dar continuidade ao seu grande sucesso, A Sombra do Vento, o fez de forma elegante, produzindo O Prisioneiro do Céu no mesmo padrão de bom gosto que lhe é peculiar. Além destes, publicou O Jogo do Anjo e Marina. Ambos merecem ser lidos.


   

domingo, 1 de julho de 2012

Cachoeira, uma cidade para ser vista




Não foi à toa que o jornalista e professor João Alvarez escolheu a cidade de Cachoeira como modelo para a aula de fotojornalismo a ser dada aos alunos do terceiro semestre do curso de Jornalismo da Unime. A beleza das montanhas a contorná-la, a singeleza de sua arquitetura colonial a escrever a história baiana na alma de seu povo e a humildade ordeira de sua gente formam um riquíssimo conjunto cultural capaz de fazer inveja à maioria das cidades brasileiras.




Sensualmente lambida pelas águas do Rio Paraguaçu, Cachoeira possui o título de “Cidade Monumento Nacional” devido a seus sobrados, casarões e igrejas a nos remeterem ao barroco tempo da submissão colonial e o de “Cidade Heroica” devido aos grandes feitos de sua gente que lutou nas batalhas de independência do Brasil.
Para quem vai de carro, menos de duas horas separam-na de Salvador e, indo tanto por Santo Amaro como pela BR 101, o seu visitante terá o privilégio de usufruir de um magnífico cenário durante todo o percurso. Pela BR 101, ele receberá o bônus de atravessar a Ponte Dom Pedro II, que é usada pela cidade de Cachoeira para dar as mãos à sua vizinha e irmã São Felix e, juntamente com ela, formar uma das regiões mais bonitas do Estado baiano. Aliás, região essa que no passado serviu como porto de escoamento de muitas riquezas nordestinas, sendo hoje um grande polo turístico da Bahia.



Espalhados pela cidade, os alunos de João Alvarez sentiam-se encantados com o comportamento dos cachoeiranos que se mostravam simpáticos àqueles estranhos que os fotografavam indiscretamente, muitas vezes até sem lhes pedir licença. Uns sorriam, outros faziam poses e um chegou mesmo a perguntar em tom de gozação, “em que jornal vai sair a minha foto?” Os meninos, mais salientes, pediam para ser fotografados e comemoravam felizes ao ver suas imagens nas máquinas dos acadêmicos.


Ao final dos trabalhos, todos percebiam que um dia havia sido muito pouco para registrar fotograficamente as belezas e encantos do lugar. Apesar de todo empenho aplicado no projeto de fotografar a feira local – esta era a pauta inicialmente apresentada, – ninguém conseguiu manter-se preso a este intento. Imagens surgiam por todos os lados, gritando para serem registradas e nenhum dos alunos conseguia se furtar a isso. Aline chegou mesmo a comentar: “É gostoso sentir como se estivéssemos em um enorme Pelourinho!”
Reunidos para discutir os temas inerentes à aula, tinham a sensação de que algo não havia sido fotografado. Um sentimento estranho dava-lhes a impressão de terem que voltar ali para rematar o serviço inacabado. Talvez esse tenha sido um subterfúgio criado por seus subconscientes para disfarçar a saudade que já sentiam ao sair de lá.