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sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Antonio Pastori, um homem que não cabe em seu corpo


Existem pessoas para quem a alma não cabe no corpo. Estes, os chamados artistas, não conseguem encontrar-se aprisionados por padrões cognitivos ou intelectuais tão comuns à maioria da população. Para eles, os conceitos massificados se perdem em meio a surtos criativos e as práticas comportamentais ganham novas nuances e performances. Por isso existem tantos excêntricos no meio artístico.
Antonio Pastori é assim, um artista que escapa à própria capacidade corporal e transborda em poemas imagéticos – ou em imagens poéticas, como queiram – dando vida às suas ideias e delas produzindo Arte. E esta característica sua – misturar poesia com audiovisual, teimando em mostrar que a poesia é imagem e a imagem é poesia – não se revela ao acaso. É um processo planejado e executado custosamente, ao qual ele se dedica em profusão, desligando-se rotineiramente das demais atividades que o absorvem para mergulhar “no mundo das ideias”, como afirma Ednilson Motta Pará, Diretor de Programas Especiais da TVE, seu grande amigo e colega de profissão. Aliás, Pará não se esquiva em afirmar: “Pastori é um morador do platônico mundo das ideias. Em sua obra, as certezas não existem, pois, segundo ele, toda moeda tem duas faces.”
Mas, como Pastori não cabe em si mesmo, não poderia ser unicamente artista. Há um jornalista brigando por espaço dentro desse corpo já abarrotado de imaginações. Tendo sido apresentador de programas esportivos na TV Itapuã, na TVE e na Band, foi coordenador e apresentador da revista eletrônica TVE Revista, na TVE, e hoje se dedica a fazer um mapeamento cultural das cidades históricas da Bahia.
Este, porém, o comunicador, confessa-se cativo de uma paixão: o recôncavo baiano. Os que o conhecem de perto afirmam, sem medo de errar, haver uma profunda miscigenação entre a sua alma e a alma do recôncavo. Não é à toa que, ao ser questionado sobre este tema, responda apressadamente: “Costumo dizer e sentir que moro no recôncavo da alma.” A quantidade de documentários produzidos – Recôncavo na Palma da Mão, Casa de Santo, Tesão e Fé, Maragós, No Ilê das Máscaras, e, o ainda em processo de finalização, Aldeia – sobre este tema mostra haver realmente essa simpatia mútua, como se uma troca alimentícia houvesse entre os dois. Observando-se mais amiúde, percebe-se mesmo haver nele uma grande necessidade de retribuir, com o seu trabalho, o alimento espiritual que recebe da região. “Lá, o vento faz a curva mesmo e pássaros são os donos das trilhas. O povo do lugar tem responsabilidade na preservação desse espírito”, afirma, repetindo o gesto costumeiro de cofiar o cavanhaque enquanto reflete.
Mas há ainda o Pastori indivíduo, cidadão com RG, residente de megalópole pelos 45 anos de sua existência. Esse, diferentemente dos demais, consegue ser amado e odiado concomitantemente pelos que o cercam. Apreciador de bons vinhos, sendo o chileno Concha y Toro o preferido, aproveita os momentos de degustação para produzir seus poemas, escrevendo-os em guardanapos de papel nos bares por onde se inspira. Sobre esse prazer, ele diz: “Manchados com vinho chileno, nas varandas do Rio Vermelho em suspensão. Muitas ideias, poemas, cenas. Além das cartas de amor, o que seria do mundo sem os guardanapos de papel nas madrugadas? O que seria da boa música popular sem os guardanapos ao lado dos violões em bares à meia luz?”
Certa feita, numa gravação do Terno de Reis para a TVE, na cidade de Senhor do Bonfim, os dançarinos aguardavam já paramentados com as indumentárias representativas de cada personagem, quando uma forte chuva começou a cair, impedindo a realização do trabalho. Pastori não se abalou. Pegou uma garrafa de Macieira, um pacote de Malboro, caminhou com seu gingado malemolente para a rua e, juntamente com Ednilson Mota, bebeu e dançou a Dança da Chuva. Em poucos minutos o céu estava limpo e as gravações foram feitas. Recolhidos os equipamentos, a chuva voltou a cair e ele festejou achando-se o responsável pela estiagem temporária.
Outra coisa que não cabe no corpo de Pastori é o ego. Como todo artista, ele se entende superior a todas as mesmices. Até o tempo tem que se dobrar a suas vontades, deixando de ser controlado pelo relógio ou sequer tendo a ver com a rotação e translação da terra. Nele, o tempo limita-se exclusivamente à sua capacidade de produzir. “Não consigo entender como alguém pode abrir tantas frentes de trabalho ao mesmo tempo”, diz o gerente de operações da TVE, José Carlos Oliveira. “Mas ele tem um poder de cativar através da oratória que é inigualável. Graças a esse dom, ele conquista as pessoas em um simples bate-papo. Por causa do trabalho, nós tivemos muitas brigas. Brigas sérias”, continua Oliveira. “Certa vez, ele chegou ao estúdio com o programa já indo ao ar e trazendo o material gravado em mídia inadequada. Foi um corre-corre terrível. Tivemos de fazer a edição por blocos, enquanto um ia ao ar, nós aprontávamos o seguinte”, um breve sorriso interrompe o discurso. Depois de um leve balançar a cabeça de lado, Oliveira conclui: “no final do programa, tudo havia acabado bem, mas eu estava muito aborrecido. Ele simplesmente veio em minha direção, deu-me um forte abraço e comemorou o resultado do trabalho apresentado. Eu relaxei e retribui o abraço... Até hoje me pergunto: como alguém pode ficar irritado com um cara desses?”

Um comentário:

A Poética de Carmen Mendez disse...

Bacana Dilman (ops!), desculpa...João Ninguém!!!! Está muito bacana o seu blog. parece com você. Quando eu leio os textos consigo ouvir você falando. parabéns meu amigo...você é sensível, inteligente e está acima de muitas coisas debatidas de formas, muitas vezes tão baixas. Siga em frente por que seu foco é bem superior. Gostei muito!! Abs
Del Carmen