Outro dia, num brevíssimo relance
furtivo, vi um imenso desprezo em teu olhar. Mas, cansado da solidão, não dei
importância. Tomei um banho, vesti uma roupa, joguei a tiracolo no ombro e saí
pra rua, pra vida!
Lá fora, o sol era o mesmo de sempre, o
trânsito o mesmo caos, as pessoas as mesmas de... Não. As pessoas estavam
mudadas. Pareciam mais modernas, mais antenadas, mais manipuladas. Gente!, até
os bem velhos pareciam mais novos. As pessoas pareciam tecnológicas, digitais, full HD!
Olhei em volta com mais atenção e
percebi que o mundo já não era o mesmo de ontem. O mundo de hoje me parecia o idealizado
por alguém: uma espécie bizarra de marxismo capitalista. Meninos e meninas
comprando homossexualismo em loja de conveniência – conveniente a quem? – como
se comprassem roupa de marca. A quarentona obstinada se esforçando numa esteira
mecânica, como quem mergulha na fonte da juventude. Enquanto isso, sentados no sofá,
os tiozinhos assistem inocentes ao futebol descaradamente manipulado.
Nossa! Quanto desprezo havia em teu
olhar! Enquanto voltava apavorado para casa, vi o teu rosto em outro rosto que
passou por mim. Linda! Tão Linda! Parei e observei teu rosto sumindo dentro de
carros (medalhas expostas) a se espremerem por artérias venenosas que levam a lugar
nenhum.
Mais tarde, já em casa, com todo cansaço
do mundo, largado no sofá ainda com as roupas do dia, adormeci e sonhei que tudo
havia sido um sonho, que no teu olhar ainda havia estrelas e montanhas
verdejantes. Que todos ainda podiam pensar por si mesmos. Mas, ao despertar na
madrugada, percebi que apesar dos bilhões de humanos a andar por aqui, eu
estava só. Ah! Quão grande era a minha solidão!
Angustiado, gritei com minha caneta
sobre um papel, mas não havia quem quisesse escutar o meu grito. Estavam todos
com as mentes voltadas para a novela das nove. Todos, todos mesmos, vivendo o narcotizante
“espetáculo da vida”. Desesperançado, me calei. Mas, “enquanto me calei,
envelheceram meus ossos”.
E foi assim que, por medo de morrer, te
enviei este e-mail.
2 comentários:
Nosso admirável mundo anacrônico...
Parabéns, meu caro João Ninguém. Mais uma vez vc mostra quão sóbrio e sábio és, nesse mundo 5.merda!
Já não estás sozinho... Compartilho com vc essa solidão.
Somos um bando de vampiros! Que odeiam sangue!
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